segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Prisão perpétua


Professor só tem dois destinos possíveis: enquanto está aqui na Terra é a cadeia. Depois que bater com as dez é o inferno. Simples assim. Entre os adjetivos que podemos e devemos usar para qualificar um professor estão: ladrão, contrabandista, falsário, gatuno, larápio, safado. Em resumo, professor é tudo bandido. E ponto final.

Eu arriscaria estender essa minha definição a todo e qualquer professor, mas, como eu mesma sou professora, portanto, carrego comigo todos os adjetivos citados acima e não quero aumentar minhas penas com acusações de injúria, calúnia, difamação, danos morais e blá, blá, blá, vou restringir meus comentários aos professores de língua estrangeira.

(Mas lá no fundo o que vou dizer serve pra TODOS os mestres que se esgueiram criminosamente pelo mundo, tenho certeza!)

Retomando, professor de língua estrangeira é tudo bandido. A gente faz fotocópia não autorizada de livro, jornal, revista; baixamos clipes de música da internet; copiamos discos e filmes de todo gênero; usamos imagens de Deus e o mundo sem pedir licença; mandamos vir ou trazemos, nós mesmos, DVDs de outros países dos quais vamos quebrar o mecanismo de regiões que impedem que os filmes sejam exibidos aqui, ou desbloquearemos o aparelho de DVD!

Não há um só dia, uma só aula, em que eu não infrinja alguma lei de direito autoral e, ouso arriscar, imagino que o mesmo acontece com meus colegas de profissão, seja em que sala dessa Torre de Babel repleta de meliantes eles estiverem.

O mais engraçado é que não lucramos com o fruto de nossas más ações, ao contrário, pagamos por ele, literalmente, isto é, usamos o nosso vil metal! Pagamos as cópias, compramos os DVDs virgens ou não, gastamos nosso tempo, dinheiro, além de horas e horas da banda larga da nossa internet (sem falar nas horas de sono que prodigalizamos nessas tarefas).

Assim foi, assim é e assim será cada vez mais.

Se a polícia decidisse botar escuta num centro de línguas qualquer poderia ouvir coisas como:

- Aí brother, tô com uma lista novinha de filmes pra trabalhar os tempos do passado. Vai um aí?

- Opa, mec, demorô! Passa o bagulho pra cá! Madona mia! Grazie!

- Hombre, como tu é um profe manero, vou liberá isso aqui pra ti também. Tiens!

- Ach ja. Mas é aquela música que a gente usa pra trabalhar negação! Do cholery! Eu tava atrás disso há um tempão. Como é que tu conseguiu?

- Easy! Fiz uma conta com endereço no estrangeiro e comprei um vale presente pra mim mesmo, daí consegui usar o vale presente pra baixar o MP3 da música e também uns e-books de autores contemporâneos.

- Trop cool, aê!

- Pra semana que vem vou dar um jeito de baixar uns documentários daquele canal de TV com restrição de visualização em outro país e te aviso.

- Ça marche, cabron!

E os policiais nem vão precisar de intérprete. Mas, se precisarem, vão ter vários à disposição no xilindró porque o resultado dessa blitz vai ser superpopulação de professor em cana.

O que eu acho mesmo é que devia aparecer alguém com coragem suficiente pra fazer uma espécie de “quebra de patente” do mesmo jeito que fizeram com os medicamentos uma vez: simplesmente acabar com essa história de direito autoral pra uso educacional de bens culturais. Livro, foto, revista, filme, comercial, música, clipe, DVD, etc., etc., etc. Se é pra usar em sala de aula, pra educação, então não tem essa de direito autoral. Usa-se e pronto. No todo, em parte, cortado, editado, de qualquer jeito.

Tem trabalhos maravilhosos que poderiam ser feitos em sala de aula e que não são porque há restrição de uso, ou ficaria tão caro pagar esses direitos que a atividade é inviável. Quer dizer, muitos não são feitos, mas outros acontecem simplesmente porque os professores ignoram solenemente a lei, os perigos, as sanções: no submundo dos educadores, principalmente aqueles em fase terminal de dependência pedagógica profunda, não há lei, ameaça de castigo terreno ou celeste que os impeça de fazer o que for necessário, sem maiores escrúpulos. A dependência é severa mesmo e a gente faz qualquer coisa pra ver surgir no olho do aluno aquele brilho, seguido de um Ahhhhhh!, indicativo de que ele entendeu e aprendeu alguma coisa!

E então? Quem se habilita a comandar essa cruzada? Ressuscitemos a Princesa Isabel e vamos abolir as leis de direito autoral sobre o uso educacional de seja lá o que for. Acordemos o Newton pra ele calcular a força gravitacional do peso a diminuir sobre as consciências dos professores. Eles continuarão carregando o peso dos livros e dos diversos materiais que levam para sala de aula. Se der pra diminuir o peso da condenação terrena ou divina já seria bom demais.

O paraíso mesmo seria fazer vir do mundo dos vivos ou mortos um filósofo e um químico que, trabalhando em interdisciplinaridade, transformassem todo o peso da culpa em ouro porque, em termos de salário, nem mesmo Newton mostraria que há planeta no universo em que a lei da gravidade faça com que o peso de quase nada fique muito maior que zero. Seja na matemática de Einstein ou dos salários, multiplicação por zero, continua dando zero, não tem jeito!

Isso quer dizer que nós, pobres professores, e pobre aqui deve ser entendido no sentido literal que conheceram Camões ou Machado de Assis, não teremos nem o suficiente para pagar a fiança. E, se tivéssemos, desconfio que gastaríamos tudo em contrabando de lápis, caderno e giz para dentro das prisões a fim de dar aula para os outros detentos.

Uma vez que a gente entra pro mundo do crime, não consegue (nem quer) sair mais!


1º colocado da categoria Funcionário no concurso Revele seus outros talentos, edição 2014, PUCPR



quinta-feira, 20 de junho de 2013

Legislação e religião não se misturam!


O momento é tenso, mas estou profundamente orgulhosa do que vem acontecendo. Obviamente repudio totalmente o vandalismo e a violência, mas eles são a menor parte dos que estão saindo às ruas para protestar contra TUDO o que está nos deixando indignados. Amanhã, eu mesma estarei presente na rua, engrossando a massa dos descontentes.

Aproveitando o embalo, decidi pôr em prática uma ideia que tive há algumas semanas, quando mais um grão dessa indignação que me fará ir para as ruas amanhã veio se juntar à montanha sobre a qual eu já vivia. Tudo por conta da eleição daquele deputado (cujo nome me abstenho de mencionar para evitar ainda mais publicidade) para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara.

Ontem ele começou a mostrar exatamente a que veio, nenhuma novidade nisso! A novidade, para mim, é que acredito que ele e a bancada à qual pertence não vão ter a força que acreditam que têm para fazer passar leis que dizem respeito às crenças deles. Pelo menos, isso não acontecerá sem MUITA discussão.

Cada um tem o direito de ter suas próprias convicções religiosas. Vivemos num país livre, graças a todos os deuses de todas as religiões! Só que ninguém tem o direito de querer impor suas próprias convicções a todos os brasileiros. Ninguém! Qualquer um pode, intimamente, pensar o que quiser sobre temas como aborto e homossexualidade, para ficarmos só nos mais recentes. Mas as leis são para TODOS, independente de crença.

Então, você pode concordar com a proposta desse absurdo que está ficando conhecido como "cura gay", mas isso não pode ser imposto a toda a população! Se esse projeto for aprovado, abrirá as portas para que outras leis baseadas em crenças religiosas sejam também aprovadas o que é um verdadeiro absurdo!

Para mostrar o ponto a que podemos chegar se permitirmos que a religião paute a proposta de leis, imaginei quatro situações bizarras e criei imagens para representá-las. Vou divulgar aqui e no Facebook. Espero que outros, tão indignados quanto eu, comprem a ideia e que ela se dissemine e se torne realmente um movimento por um país laico.

Eu tenho minhas crenças. Elas são as minhas leis pessoais. Só minhas e de quem mais pensa como eu. Já as leis do Congresso são para todos e nenhum deus tem nada a ver com isso!









quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Hein?

O quê? Estou de volta?! Uhuuu!!!

A vontade de continuar o blog sempre foi imensa, desde que ele foi abandonado. E agora não sei se é uma volta mesmo, ou só um último suspiro antes de morrer, mas hoje, fazendo nada pela Internet, revi um vídeo que foi dos mais legais que assisti esse ano e decidi publicar aqui uma crônica que escrevi alguns meses atrás.

No primeiro semestre participei de uma Oficina de Análise e Criação Literária de Crônicas, sob a orientação da Mônica Berger e o resultado foi que escrevi algumas... crônicas! :-) Aos pouquinhos vou soltando os textos por aqui...

O primeiro que decidi compartilhar tem relação com esse vídeo do Youtube.

O vídeo mostra um pedido de casamento e é o exemplo perfeito do que eu acho que NÃO se deve fazer, mas, vejam que contradição, não consigo assistir sem me emocionar às lágrimas a cada vez. É porque ali naquela elaboração toda estão os amigos, a família, de perto e de longe, e eu senti simplicidade e sentimento verdadeiro naquelas pessoas. Sei lá! Gostei e pronto!

Talvez esses exageros de vez em quando façam bem, só não podem se tornar a regra! Por isso divulgo o vídeo, mas ao mesmo tempo o que penso dessas "super produções", especialmente ligadas a pedidos de casamento (imagine o que o cara vai ter de aprontar para as bodas que virão pela frente: papel, plástico, platina, prata, ouro!!!).

Quem quiser ver o vídeo clique aqui.

Meu humilde texto, pra não acabar o ano (e quem sabe o mundo!) sem dizer minhas últimas palavras, vai na sequência.

É longo, claro! Como os textos de blog NÃO devem ser.
Mas não estamos falando em contradições?

Hein?


Há alguns anos fiz um curso de fonética e aprendi que a onda sonora vibra num contínuo de frequências, da mais baixa à mais alta, mas o ouvido humano só consegue reconhecer os sons que vibram numa frequência intermediária. Imaginando um bolo de chocolate recheado por uma grossa camada de doce de leite é como se a gente não percebesse a massa nem cima nem embaixo e sentisse o gosto só do recheio.

Quando alguém fica exposto a sons muito fortes por muito tempo, seja por trabalhar num local barulhento ou por ouvir música muito alta com fones de ouvido, por exemplo, o cérebro, para se proteger, começa a ignorar as frequências mais baixas, gerando uma espécie de surdez para os sons suaves. Isso quer dizer que, quanto mais tempo exposto a essa situação, mais surda para os sons baixos a pessoa vai ficando. Não é que o ouvido deixe de ouvir, é o cérebro que deixa de registrar, o que significa que só sons muito fortes, cada vez mais fortes, serão reconhecidos, o resto será ignorado. Como o limite superior não muda, dá pra imaginar um recheio cada vez mais magrinho naquele bolo.

Tá, e daí? Deve ser a pergunta que ronda sua cabeça enquanto lê essas bobagens. Daí que eu acho que estamos vivendo uma época de perigosa surdez emocional.

Pra que algum acontecimento nos emocione ele tem que ser cada vez mais espetacular, grandioso, exagerado. Estamos tão expostos às mudanças vertiginosas de tecnologias e de possibilidades, estamos tão habituados a ver limites sendo ultrapassados, que coisas absolutamente impressionantes há pouquíssimo tempo já não nos causam qualquer sensação. Mas como precisamos muito de sensações e emoções andamos à caça delas onde estiverem, daí as montanhas russas cada vez mais rápidas e violentas, os filmes cada vez menos enredo e mais efeitos especiais, os shows cada vez mais palco e menos artistas e assim por diante, até chegar às drogas cada vez mais devastadoras e capazes de dependência praticamente instantânea.

Tenho observado muitas situações de exemplo dessa espécie de anestesia emocional mas, como isso é uma crônica e não um romance épico em sete volumes, vou me restringir a comentar somente duas.
Um tempo atrás descobriram que um apresentador de programa de reportagens policiais em Manaus estava encomendando assassinatos. Dessa forma, a equipe dele era sempre a primeira a chegar ao local do crime e pegava imagens do presunto ainda fresquinho.

Por que ele chegou a esse verdadeiro absurdo inqualificável? Provavelmente porque tinha atingido todos os níveis possíveis para provocar emoção nos telespectadores que mostravam sinais de fastio com as reportagens normais, dos crimes normais que acabaram se tornando banais. Os números do IBOPE simplesmente não subiam, ou pior, desciam! Telespectadores infiéis estavam indo buscar emoção em programas novos, só porque eram novos, talvez.

O segundo exemplo é bem menos trágico, mas aconteceu comigo. Eu estava assistindo à apresentação de um circo de ciganos. Em um dado momento uma moça enrolou as pernas em longas tiras de tecido que pendiam do alto e se soltou parando um pouco antes de chegar ao chão, sem usar as mãos. Eu sei, todo mundo já viu isso dezenas de vezes na TV desde que os acrobatas do Cirque du Soleil inventaram esse número há... sei lá... milênios? Séculos? Não?! Pouco mais de uma década? Poxa, são mais de dez anos! Uma eternidade! Como muita gente, também sufoquei um bocejo e pensei: “Ai, de novo isso? Que tédio!”. E foi então que um raio de luz caiu sobre mim e provocou uma verdadeira epifania:

COMO ASSIM, QUE TÉDIO?!

Uma pessoa se enrola em panos pendurados a metros de altura, sem nada mais que a segure a não ser os músculos das coxas, larga-se em queda livre de cabeça para baixo e para a centímetros do chão! Tudo isso diante dos meus olhos e só o que eu penso é: “Outra vez? Que tédio?” Esse é um exemplo típico de surdez, cegueira ou anestesia emocional.

Precisamos de mais, sempre mais. O fabuloso já não nos satisfaz, os limites do fantástico precisam ser constantemente quebrados e a uma velocidade cada vez maior. Só que a emoção dura cada vez menos porque logo é substituída por outra ainda mais forte. E nós, com essa música enfiada nas nossas orelhas, precisamos de estrondos cada vez mais altos. Estamos ficando surdos para músicas, nem digo suaves, digo mesmo normais, ou que eram normais até pouquíssimo tempo.

O susto que tive com minha própria anestesia emocional me levou no dia seguinte a parar alguns minutos para me extasiar com a refeição matinal que faria, composta de uma xícara de café com leite e uma fatia de pão com manteiga.

Fiquei perplexa diante daquela verdadeira maravilha das conquistas! Eu tinha diante de mim séculos de evolução, de descobertas, de uso da inteligência, de raciocínios lógicos, de tentativas frustradas e de lampejos geniais que foram se acumulando ao longo do tempo. Foi preciso perceber que a frutinha do café devia secar, para depois ser torrada, moída, o pó filtrado em água quente, então adicionado ao leite e, em alguns casos, ainda se coloca um pouco de açúcar, que vem de um caule, que é espremido para gerar um suco que é processado a fim de obter aquele pó. Para o pão foi necessário encontrar a planta do trigo em certa quantidade, ver que aquelas sementinhas tinham de sair de dentro de um invólucro de palha que pinica, depois tinham de ser moídas para virar farinha. Foi fundamental ainda compreender que isso devia ser misturado à água, ao fermento (que descoberta genial!), ao sal (porque alguém observou o mar e entendeu como recolhê-lo em quantidade) e que a massa precisava do calor de um forno (fogo já era dominado, nem falemos disso). Para acabar, algum gênio descobriu que aquele leite que saía das vaquinhas podia ser separado em gordura e líquido e que essa gordura, batida, se transformava em manteiga.

Café com leite e pão com manteiga! Que coisa mais extraordinária! Que grande conquista da humanidade, quanto saber acumulado diante dos meus olhos todas as manhãs e absolutamente ignorado por mim e pelo meu tédio emocional!

Isso porque nem parei pra pensar no resto: xícara, garfo, faca, mesa, cadeira, forno de microondas, etc., etc., etc.

Estamos cercados de maravilhas e simplesmente as ignoramos diariamente numa busca ansiosa pelo novo, pelo estupendo, pelo sensacional, pelo nunca antes visto. Só que o nunca antes visto pode estar na frente, ao redor, em cima e embaixo de nós mesmos o tempo todo. O que não temos mais é cérebro para ver, nem para reconhecer isso. Estamos ficando surdos e cegos, morreremos de fome emocional diante de um banquete para centenas de talheres posto bem na frente dos nossos narizes e olhos insensíveis.

Como tudo, há o lado bom e o lado ruim disso. Ser eternamente insatisfeito e incompleto foi o que trouxe a humanidade até aqui. É preciso continuar assim, querendo mais. Só que, diante de algumas situações que tenho observado, acho que estamos precisando dar uma paradinha nessa ciranda pra contemplar um pouco, ou novamente, aquilo que já temos, para saborear vagarosamente as emoções, dando o tempo necessário para que nosso cérebro as registre. O sinal de alerta deve ser o primeiro bocejo diante de algo que deveria nos causar um sentimento qualquer e que já não causa mais.

Deixar de cuidar disso pode nos levar a um estado de ausência de sentidos: cegos, surdos, sem condições de sentir o gosto, o cheiro ou o toque das emoções que nos rondam sem cessar. As espetaculares são importantes. Demais! Vamos reservá-las para ocasiões especiais e raras, como antes tínhamos a roupa de domingo.

Eu não sei você, mas adoro doce de leite e quero que o recheio do meu bolo seja sempre o mais espesso possível! Uma festa para os olhos, o nariz, o toque, a boca e os ouvidos: Hummmmmmmmm!

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Em outras paragens...

Eu sei! Nem consigo achar hora pra atualizar este blog e venho aqui pra contar que uma vez por mês escreverei coisinhas em outro blog?! Não é traição, juro!

É que muitas coisas me preocupam nessa vida... Lixo, por exemplo. Já tive a oportunidade de falar sobre isso por aqui, é só dar uma olhada em tudo o que é Papo Verde.

Aí não resisti a um convite para aliar duas coisas: minha preocupação com o lixo e também trabalhos artesanais. Era pedir demais, não?

Então, a partir de agora, uma vez por mês vou contar como fazer algum trabalho artesanal usando material reciclado no blog Vitrine Verde. O primeiro post já pode ser conferido na minha coluna que se chama A menina da mão verde.

Mas não vou abandonar este meu cantinho lítero-verborrágico... As letras continuam mais do que presentes na minha vida, podem acreditar! Só que têm se manifestado de outras formas menos públicas. Pelo menos por enquanto...

Então, meus caríssimos bleitores, vocês estão todos convidados a acompanhar o Vitrine Verde. Espero vocês lá. Todos os quatro!

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Quem tem medo de tecido importado?

Sei que publiquei aqui, dia primeiro de janeiro, meu desejo de ano novo que era o de trazer de volta as letrinhas pra minha vida. E depois, sumi!

Mas esse desejo lançado aos ventos virtuais realmente se concretizou e as letrinhas voltaram pra minha vida em coisas que aparecerão durante o ano, só não tinha ainda materializado aqui nesse meu espacinho. Que injustiça a minha!

Então, pra me redimir, vou publicar um conto que já está escrito há três anos, mas ainda guardado, criando poeira digital... É mais uma aventura da Quiltéria, personagem que criei lááááá em dezembro de 2006, cuja vida é um patchwork de momentos das amigas quilteiras que fiz pelo mundo afora (e isso NÃO É força de expressão!). Dessa vez a história da Quiltéria foi inspirada em uma amiga de Porto Alegre, chamada Anete Soares. Juntei um comentário dela, com mais coisinhas minhas vividas aqui e ali, e deu isso que vocês vão ler.

Mais uma vez, texto longo demais pra blog, mas por enquanto é o que dá! Sempre dá pra imprimir, né? E agora tem iPad, iPod, iPhone, ai-quanta-coisa-nova-e-diferente-que-não-sei-usar que vamos ter de aprender a ler na tela mesmo. Não tem jeito!

Então lá vai: minha volta às letrinhas com minha adorada Quiltéria!

Quem tem medo de tecido importado?

Há tempos Quiltéria fazia patchwork e já era impossível passar numa loja de tecidos sem dar uma paradinha, comprar alguma coisa. Até que um dia, uma novidade chamou sua atenção:

- Olha! O que são esses quadradinhos?
- São tecidos importados. Sobras que eles vendem assim, em pedacinhos. São ótimos para trabalhos pequenos, aplicação. Isso sem contar com aquelas coisas lindas que a gente faz só com restinhos. E o preço é ótimo!
Quiltéria não cabia em si de felicidade! Junto com outras amigas quilteiras lançou-se à tarefa de selecionar quadradinhos nas pilhas imensas. Todos tão lindos! Como escolher?
Com muito custo ela conseguiu separar uns 50 pedacinhos de tecido e foi pra casa.
Chegou, espalhou todos pelo chão da sala e começou a separá-los em combinações. Dois a dois, três a três. Mudava pedaços de uma combinação a outra, e descobria, encantada, um caleidoscópio de possibilidades. Começou a imaginar as peças maravilhosas que faria assim que terminasse a cortina da cozinha.
Foi difícil achar motivação para acabar a cortina, tamanha era a vontade de começar a usar seus paninhos importados, mas ela conseguiu. Enfim, poderia se dedicar à divertida ocupação de cortar os tecidinhos para fazer pegadores de panela que combinassem com a cortina recém-terminada... Espere aí! Cortar? Ela teria de cortar os paninhos? Cortar em pedacinhos pequenininhos como fazia com os outros tecidos, os nacionais?
Olhou pesarosa para seus paninhos importados, alisou carinhosamente a pilha. Sentiu um peso no coração. Não dava! Impossível cortá-los. Os primeiros importados que ela tinha comprado. E era tão pouquinho...
Isso! Era isso que ela tinha de fazer: comprar mais quadradinhos, assim, se tivesse bastante, não teria pena de cortá-los.
Voltou à loja e, dessa vez, já teve de brigar com uma ou outra cliente por alguns dos pedaços de pano. Todas aquelas desesperadas! Que absurdo!
Chegou em casa com mais 50 pedacinhos e repetiu o ritual: espalhou pelo chão da sala junto com os 50 da primeira compra, olhou, separou em combinações. Alisou um por um, suspirou e pensou: Amanhã mesmo começo meus pegadores de panela!
Mas, no dia seguinte, onde foi parar a coragem? Quiltéria inventou mil desculpas pra não entrar no quarto de costura. Nem bem dava um passo e lembrava de uma coisa importantíssima e inadiável a fazer como, por exemplo, separar os enfeites de Natal que deveriam ser restaurados. Eles já estavam na Páscoa! É fechar o olho e abrir e já é Natal!
A coisa estava ficando grave. Quiltéria tentou várias vezes, fechou a cara, caminhou com olhar firme para a sala de costura, pegou o cortador, a régua e a placa. Colocou, decidida, o paninho sobre a placa, ajustou a régua, pegou o cortador e... largou tudo e saiu correndo, acabando de lembrar que não tinha ainda feito a lista de compras de presentes de Natal!
A situação estava ficando insustentável! Ela pediu conselho às amigas. Uma delas disse:
- Olha esse portal do patchwork na internet. É maravilhoso! Lá tem uma loja também. Entre na loja e compre tecidos importados, mas em metros! O problema é que os seus paninhos são muito lindinhos e pequenininhos. Você sabe que se usar, vai acabar. Se tiver em quantidade, isso não acontece. Vai por mim!
E assim ela fez. Estourou o saldo no banco por conta de vários metros de tecido importado que encomendou no site da loja. Na verdade, ela até se sentia mais leve, sem todo aquele dinheiro acumulado. Dinheiro é pra gastar, é ou não é?
Aguardou ansiosamente a entrega do correio com a encomenda que continha o seu tesouro. Quando eles chegaram, abriu o pacote rapidamente e namorou-os demoradamente. Depois lavou todos os paninhos, pendurou para secar, passou cada um imaginando os trabalhos incríveis que faria. Dobrou um a um, com cuidado. Fez uma pilha, agrupando-os em combinações. Desempilhou, empilhou novamente em nova ordem. Alisava-os suavemente, mas, a cada vez que estendia um deles sobre a placa, ajustava a régua e pegava o cortador, o suor começava a brotar na testa, os lábios fremiam, as mãos tremiam e todo mundo sabe que não dá pra cortar paninho com as mãos tremendo! Melhor deixar pra depois!
Quiltéria começou a se desesperar! Não dormia direito, tinha olheiras. José, seu marido, não sabia mais o que fazer para animá-la. Nem brigou por causa da conta estourada, tamanha era a tristeza da esposa.
Um dia, passeando pelo fórum da sua amada comunidade do Orkut, Quiltéria descobriu que não estava sozinha. Mal conseguiu conter as lágrimas quando leu o que a mestra criadora da comunidade, Candida, tinha escrito. Era uma série de recomendações para ter coragem de usar os panos importados. Quiltéria seguiu à risca cada uma delas! Mas nem assim conseguiu a coragem necessária para cortar seus importados. Será que teria de conviver pra sempre com eles dentro daquela mala? Sim! Nem em armário eles estavam mais. Incapaz de deixá-los num canto, como tinha sugerido a mestra, acabou por comprar uma mala. Seus paninhos importados tinham ganhado uma mala só para guardá-los. No fundo o que ela pensava era: Se a casa pegar fogo, eu consigo sair com essa mala e salvo meus paninhos! Era assustador!
Um dia, Quiltéria foi a um lanche com outras quilteiras. Elas comemoravam a visita de uma amiga que estava morando fora do país por um tempo. O encontro aconteceu numa confeitaria. Alguém um dia ainda vai provar que quilteiras e confeiteiras têm tudo em comum. A conversa não podia estar mais animada, todas querendo falar ao mesmo tempo, as risadas correndo soltas. Desse grupo fazia parte uma outra amiga, que também tinha morado por três anos fora do país. Foi quando o diálogo que mudou a vida de Quiltéria aconteceu:
- E você? Trouxe muitos paninhos da Europa?
- Nenhum.
Um coro, quase gregoriano, ocupou o lugar das risadas:
- NENHUM?!
- Nenhum! Quando viemos embora não tínhamos espaço suficiente na nossa bagagem para trazer as peças que eu tinha feito e também os tecidos que eu tinha comprado por lá. Então arrumei os trabalhos prontos junto com as malas que vieram conosco no avião e coloquei todos os panos numa caixa que enviei pra mim mesma pelo correio.
- Com TODOS os panos?
- Todos. Sem exceção.
- E daí?
- E daí que essa caixa nunca chegou...
- Você reclamou nos correios? Foi atrás?
- Claro! Mas ninguém sabia de nada, minha caixa com paninhos simplesmente se desintegrou no ar.
- Eram os panos nacionais, né?
- Não. Os nacionais eu dei de presente para minhas amigas que ficaram por lá. Nessa caixa tinha só os importados.
- Mas por que você não usou esses tecidos nos seus trabalhos?
- Não tive coragem... A cada vez que eu pegava um deles, desistia. Acabava usando um dos nacionais que tinha levado comigo. A grande ironia é que, se eu tivesse usado meus paninhos importados, hoje eles estariam aqui comigo, nos trabalhos que eu fiz. Estariam expostos na parede da sala pra que eu desse uma olhadinha neles todos os dias... Mas não usei. Não vou ver nenhum deles... Nunca mais...
Um silêncio sepulcral desabou com o peso de uma tonelada sobre a mesa, antes tão festiva.
Os olhares baixos. Os suspiros. De vez em quando uma delas inspirava e abria a boca como se fosse dizer alguma coisa, mas desistia. A história era escabrosa demais.
Quiltéria voltou pra casa e, assim que entrou, José estranhou sua expressão. Grave, decidida. Tentou perguntar o que tinha acontecido, mas não teve resposta.
Ela passou pisando firme por todos, entrou no quarto de costura e fechou a porta. Do lado de fora a família ficou escutando os barulhos: portas que abrem e fecham, cliques, claques, sons de coisas sendo rasgadas. Depois, a máquina de costura. Silêncio. Novamente a máquina. Silêncio. Máquina. Silêncio. Máquina...
Horas depois Quiltéria abriu a porta do quarto de costura, a respiração ofegante, os cabelos em desalinho, um brilho diferente no olhar. José pensou reconhecer novamente sua Quiltéria dos tempos de namoro e não se enganou. Ela caminhou na direção de José. Enlaçou o marido pelo pescoço, lascou-lhe um longo beijo e o empurrou para o quarto do casal.
Em cima da mesa, ao lado da máquina de costura, era possível ver o topo de um lindo painel com minúsculos pedacinhos de tecidos, todos diferentes. Várias bordas. Um painel feito inteiramente de tecidos importados.
A porta do quarto do casal se fechou e outros barulhos começaram a ser ouvidos. Mas essa... bem, essa é uma outra história!

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A magia de vez em quando reaparece

Não, quase não escrevo mais...
Acho que um dia voltarei a escrever, mas por enquanto, não dá.

Então, vivo um pouco minhas criatividades do passado, as muitas coisas que fiz num período em que fiz muita coisa mesmo! O período em que esse blog nasceu e foi engordando, até chegar a essa dieta que o mantém vivo só por estar ligado aos aparelhos. É que a esperança de que ele um dia volte a viver ainda não morreu, essa danada, que resiste, resiste, resiste! Então, tá. Que ela fique aí resistindo...

Enquanto isso, como disse, aproveito as produções do passado.

Esses dias, passeando pelo blog da minha amiga Patrícia li um post em que ela falava de um outro blog, chamado Banana Craft que publica de tempos em tempos festas de aniversário como antigamente, isto é, quando a gente fazia tudinho e não alugava simplesmente um buffet ou coisa parecida.

Nada contra os buffets! Já usei várias vezes e usarei outras tantas, é uma das coisas mais práticas que já inventaram, aliás, faz parte da minha lista de grandes inventos da humanidade! Mas fazer decoração de festa infantil é uma coisa que eu adoro, já tive até sonhos de ter um negócio assim, então, quando dá, eu mesma faço a decoração das festas das crianças.

Em 2008 foi a vez da Ana Luíza, como já tive a oportunidade de contar por aqui.

Como a proposta do blog Banana Craft é falar de festas handmade decidi mandar minha história, e não é que gostaram dela?

Então esta aí, mais uma das minhas artes de um passado recente.

Enquanto não volta meu tempo pras palavras, nem pras tesouras, nem pros pinceis, vou relembrando o tempo em que eles estiveram tão presentes que me permitiram criar tanta coisa legal. Um dia eles voltam, sei disso!